sábado, 11 de abril de 2015

Ilusão Vulgar


Meu amor estará para mim tal qual um delírio desgarrado. Um pecado justificável. Um delírio sem fim. Será inútil e desconcertante, o pior amigo e o melhor amante. Terá a risada barulhenta e o gênio ruim. E as declarações? Haverão? Não, não. Pois ele será seco como as boas bebidas e cru como os bons homens. Sem floreios, senhores. Não me venham com floreios. A elegância que fique em seu pedestal, que eu viverei bem aqui em baixo. Meu amor virá descalço, usando a mais velha de suas camisas e mais genuíno dos seus sorrisos. Terá o mais nobre cheiro de sabão, cheiro de gente que lava a consciência com o sono profundo de todas as noites. Virá com as mãos cheias de calos e o caráter imperfeito. Virá torto, mas virá.

Luzes Urbanas


A janela extensa escancarada é uma síntese da vida da cidade. Escapolem por ela um sem-fim de barulhos, resmungos, ruídos. Um carro buzina, escuto um tilintar de copos e uma criança ri. Pela mesma janela, um quadro pintado por uma miríade de luzes e retas me mostra todo um mar de apartamentos, casas, ruas e prédios. A noite revela, dia após dia, as janelas abertas dos humanos insones, com as luzes acesas que desatinam em ser mais uma das estrelas na constelação meditativa da cidade.

Encaro as janelas e por um minuto, todas são espelhos. Talvez seja isso a sintonia que a humanidade carece, ver irmanado em cada prédio, duzias e mais duzias das próprias dúvidas e desejos. Está tudo lá, em diferentes medidas, os mesmos dessabores e desventuras. Nesse segundo que já passou antes mesmo de ser descrito, todos partilham de um irrecuperável sabor agridoce de estar-se vivo nesta cidade.