domingo, 4 de outubro de 2015

Caçadora de Ártemis

Sob uma genuína chuva primaveril, eu volto à cidade. Ao passar dos minutos, o cheiro limpo de eucalipto perde-se dentro da fumaça dos carros. Os ruídos surgem, lenta mas progressivamente; ainda abafados pelo vento fresco que flui das janelas do ônibus. Eu volto a cidade... Rumo a minha nova casa, desconhecida e não familiar, cheia de cômodos vazios e silêncios empoeirados. 

Meu novo quarto já não tem a vista para uma colcha de retalhos de janelas de prédios. Minha cama dessa vez foi montada por um par de amigos. Essa casa é grande, peculiar nos diferentes tons dos pisos. Suas paredes me espiam de rabo de olho, sou uma jovem intrusa onde um amontoado de anos - e histórias - me oprime. Não reconheço os cheiros nem os pecados da vida vivida aqui.

Esta é apenas mais um república nessa cidade de escolas e bares... Mas será um lar? Não conheço os rostos que habitam nos quartos ao lado. Não sei ler a  cor de seus sorrisos. Serão tímidos, curiosos, indecisos? Serão? ou só estão, como a maioria das vidas? A mudança é agridoce, triste e esperançosa: fumaça e eucaliptos.

Há um terraço, espaçoso e aberto, acolhedor em sua falta de amarras e expectativas. Dele, vejo uma nova cidade que parece estranhamente a minha. Meus amigos não podem ter essa vista, no entanto. Homens aqui não são permitidos. Minha veia dramática - ou será coração? - me oferece uma metáfora com um floreio sôfrego. Sou eu caçadora de Ártemis, em uma Roma cuja pristina brancura tornou-se cinza chumbo, mas cujos templos permanecem, variados e díspares com as facetas da fé. 

Mais na poesia pulsante deste dia onde as nuvens espelham as cores desta nova Roma, sei o que sou. Apenas uma menina, que acha que a vida anda pesada demais.  

domingo, 5 de julho de 2015

Ternas Vulgaridades



Ao longe, meu amor grita-me
E o vento o ecoa: "Devassa!"
Respondo, sôfrega, num suspiro
"Pois vá, Libertino!"

E no calor das ofensas, 
sorrimos... Ah! Sorrimos.
E logo, tão logo, rimos,
nos braços e lábios unidos

E voltamos, sem termos ido.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Restam Pétalas


Olhai, moço, um rubor floresce!
Na rosa que foi feita lábios.
Sob toque de dedos, estremesse
no delírio de amores falhos.

Deflora a flor, que o apetece,
com teus olhos maculados.
Suja o sangue que a aquece
com a doçura dos pecados.

E no delírio que enlouquece
depois, fuja dos seus atos.
Renegue a flor que não esquece
os teus desvarios insensatos

sábado, 11 de abril de 2015

Ilusão Vulgar


Meu amor estará para mim tal qual um delírio desgarrado. Um pecado justificável. Um delírio sem fim. Será inútil e desconcertante, o pior amigo e o melhor amante. Terá a risada barulhenta e o gênio ruim. E as declarações? Haverão? Não, não. Pois ele será seco como as boas bebidas e cru como os bons homens. Sem floreios, senhores. Não me venham com floreios. A elegância que fique em seu pedestal, que eu viverei bem aqui em baixo. Meu amor virá descalço, usando a mais velha de suas camisas e mais genuíno dos seus sorrisos. Terá o mais nobre cheiro de sabão, cheiro de gente que lava a consciência com o sono profundo de todas as noites. Virá com as mãos cheias de calos e o caráter imperfeito. Virá torto, mas virá.

Luzes Urbanas


A janela extensa escancarada é uma síntese da vida da cidade. Escapolem por ela um sem-fim de barulhos, resmungos, ruídos. Um carro buzina, escuto um tilintar de copos e uma criança ri. Pela mesma janela, um quadro pintado por uma miríade de luzes e retas me mostra todo um mar de apartamentos, casas, ruas e prédios. A noite revela, dia após dia, as janelas abertas dos humanos insones, com as luzes acesas que desatinam em ser mais uma das estrelas na constelação meditativa da cidade.

Encaro as janelas e por um minuto, todas são espelhos. Talvez seja isso a sintonia que a humanidade carece, ver irmanado em cada prédio, duzias e mais duzias das próprias dúvidas e desejos. Está tudo lá, em diferentes medidas, os mesmos dessabores e desventuras. Nesse segundo que já passou antes mesmo de ser descrito, todos partilham de um irrecuperável sabor agridoce de estar-se vivo nesta cidade.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Silente Canção De Ninar


        Leio a frieza da colchas com as pontas do dedos. Sinto o frio em meus ossos, tornando-os tão frágeis quanto papel envelhecido. Um sopro de brisa gélida beija-me o nariz e afogueia as bochechas, dolorosamente familiar. Do meu canto na cama estreita, sinto a depressão do colchão; forjada pelas tantas vezes que um corpo grande demais se encolhera ali. 
Sinto-me em um mundo parte caleidoscópio e parte carrossel:  desdobrando uma nova realidade a cada movimento, mas repetindo-me infinitamente em um ciclo. A cena em que me encontro e me perco, por exemplo, está tortamente idêntica à aquela dos tempos felizes e distantes, como o reverso de um bordado. As luzes estão apagadas, a janela aberta soprando ar frio e luz das estrelas, os cobertores frios de cetim e as cobertas fofas de algodão, eu encolhida em ares lânguidos de gata, a depressão adivinhando um corpo. 
Mas falta o corpo. 
E essa falta pesa, naufragando o calor do quarto. Ele, aquele de ausência presente, é não só um corpo que afunda a cama, mas também um hálito que arrepia pelos da nuca, mãos que emolduram cintura, pernas que embaraçam pernas. É também lábios que sussurram pecados e olhos que distribuem bênçãos. Ele é parte intrínseca do meu adormecer. Como se uma forma etérea e intangível de canção de ninar fosse parte dele, como um cheiro. Como um gosto. 
Dormir nos braços dele é o abandono mais lindo, tão doce e cliché como as mais elaboradas declarações. Mergulhar no embalo de uma consciência mais leve e mais pesada, enquanto os olhos dele parecem perder-se na minha visão turva e sonolenta é o prazer mais sagrado e profano. Tão bom quanto ver a cena inverter-se pela manhã: seus olhos e rosto entrando em foco e a canção de ninar que antes fazia dormir, começa a fazer queimar.  
Mas por esta noite, resta-me o silêncio intacto e as colchas frias. 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Novos Romeus


     O novo Romeu, senhores, é um belo espécime de sobrancelha arqueada, óculos escuros escorrendo displicentemente pelo nariz e de sorriso irônico e debochado. Com passos de encanto calculado, ele flerta com o perigo a cada passo e a cada passo desperta um suspiro entrecortado. O mais novo Romeu já tão jovem coleciona o seu quinão nada humilde de corações partidos e cartas de amor rasgadas. Migalhou uma miríade de declarações apaixonadas que, invariavelmente, tinha como par uma futura despedida lamuriosa. Ah, adorável e terrível Montecchio! Não há lábios que limpem seus pecados.
Sua Julieta poderia desfilar pela noite como uma joia alva em uma princesa etíope que ele não a veria, ou melhor, não a desejaria. Quer coisa mais inútil que a dedicação eterna, a submissão total? Dane-se os pares perfeitos, Romeu ansiava por ser solitário rodeado de muitas mulheres. Belas mulheres. Gostava de seu apartamento caro, seus bons ternos e da paz silenciosa de todos os dias. Gostava de seduzir e estender a mão para pegar o que queria. Romeu sabia-se bonito e sabia que isso abriria as portas sem que ele precisasse forçar. O menino era diamante: encantador à vista, duro e frio ao toque. E a sua vida, por sua vez, fazia as vezes de coisa simples e prática: bela, gélida e vazia.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Poema ao Copo


Derrama, em um gole sôfrego
o whisky, a eterna chama vã
pela garganta já sem fôlego
molhando a alma não mais sã

Vá lá, bom homem, se perder.
Imundo, feio, pernas bambas
Tens tudo o que pode querer
bebidas ou a Puta, ou ambas.

Atrás de que mais poderia ir?
Além de um cômodo, esquecer
Do seguro e doce não sentir
Tudo no copo fácil de beber

A vida sórdida goteja lenta
Como sangue cálido em veias
como a existência bolorenta
do álcool em canecas cheias

domingo, 25 de janeiro de 2015

Chuva




A chuva molha meu quarto pela janela aberta. Em algum momento vou fechá-la, em algum momento vou cuidar da bagunça molhada e em algum momento vou retornar o meu quarto para sua costumeira organização. Mas, por agora, deixo que o vento frio arrepie minhas pernas enquanto sinto o deslizar do meu edredom favorito. O barulho da chuva também me agrada, um chiar de conforto e relaxamento. Em tudo, aconchegante. 

Ainda gosto de janelas abertas. Ainda gosto do amor. Ainda gosto dos dois pelas características que os unem. A brisa que entra é como o frescor de olhos que se cumprimentam. O perigo dos terrores noturnos é como o medo de deixar-se cair; arrepiante, mas terrivelmente doce. Uma janela aberta é uma possibilidade, assim como amor também o é. Uma janela também é liberdade. Abri-la e escolher ser livre, ou permitir-se ser presa. Algo como a liberdade não de amar, mas de se permitir cair em amor.

Entre janelas e amores, perco-me em cismas inúteis. Um sorriso escorre em meus lábios quando percebo que, no fundo, todos os bons pensamentos são cismas inúteis. Do que vale a metáfora de uma janela aberta e um sentimento conjectural? Nada, nada. Não passa de poeira de estrela, carinho de nuvem e borboleta de vidro. Bonito de beleza que aperta o peito e planta um sorriso, mas irreal.

O que importa hoje é essa chuva, esse frio e esse gotejar de preguiça que enlanguesce o corpo e o espírito... Deixemos as divagações para os dias menos doces, para as horas de monotonia doente ou para quando a alma resolver que a realidade não basta. Discutamos o amor e a metáfora da janelas em outro momento que não seja o presente. Fica decidido roubarei um beijo e fecharei a janela, amanhã. Por agora, senhores, aproveitemos a chuva.

Em brisa, fogo e loucura calada





Conjurei-te nos olhos da neblina
pelo desejo de fazer-me a eleita
de um amor de brisa que espreita
e sem pressa estremesse a rotina

E um silêncio retumba em costela
vindo de um peito mudo que grita
peço pelo amor de fogo que agita
em delírio rasga, queima e apela

Quem me dera tê-lo a minha volta
Com seu sorriso de garoa e geada
e com seu amor de loucura calada
que me apavora, acalma e revolta

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Delirante



Em lástimas, sou sonho.
Irreal, delírio em pó.
Em amargura, decomponho
meu peito em curto nó.

A garganta me arranha.
"O que haverá em mim?"
Sofro em dores estranhas,
estou próximo do fim.

Como pálida lembrança
esquecida sem prejuízo,
apaga-se a temperança,
a sensatez e o juízo.

Sou de novo menino,
louco, senil e amante
Homem feito de desatino
por você - ah! - delirante.


Sonhadora e Sonhado


Se eu sou sonho teu, 
você é aquela que me sonha.
A que entre linhas me leu
e que em rimas me desfronha.

Sou teu, sem fim nem começo,
se minha doce sonhadora és.
E tudo é um infinito tropeço
em deleite, rumo aos teus pés.

Mas permita-me sonhar-te,
no balanceio do delírio.
Onde olhar-te é pura arte
e beijar-te, um calafrio.

Ou sonhemos juntos o pecado
da ânsia que enlanguesce
do sonho negro fatigado
e do amor que nos anoitece.