Ceder
a ele é como dormir de janela aberta.
No
fundo, no fundo sabemos que infinitos são os perigos noturnos que podem se
esgueirar rumo aos nossos quartos. Mas superficialmente, que é o que realmente
conta, não podemos resistir a dormir ao embalo da brisa fresca, sob a luz das
estrelas que de certa forma nos velam.
Todo
ele é essa mistura complexa de algo definitivamente prejudicial com algo
irresistivelmente agradável. Um doce veneno. Um flerte com o perigo. Seus olhos
castanhos escuros, olhos que de tanto eu olhar se tornaram um pouco meus, sussurram
promessas, vãs promessas.
Um
tanto trêmula, minha mão percorre minha própria face em busca de provas. Não há
marcas, mas eles ainda estão lá. Os vestígios. Os rastros de seu toque
acariciando meu rosto. Fecho os olhos e a reencontro: a lembrança dos seus
olhos em fendas e do seu sorriso adoravelmente debochado.
O
cheiro da memória é forte, inebriante. Lembro-me da forma com que ele se deitou
no meu colo, como se o lugar fosse dele por direito. De seus cabelos e da
vontade de passar a mão por eles em um afago quase maternal. De sua voz baixa
dizendo: “Leia pra mim” enquanto fechava os olhos.
E eu
li. Li aquele texto medíocre sobre um tema tão medíocre quanto. Li, enquanto
pateticamente segurava-me para não sorrir, sem sucesso. Mas as minhas
tentativas frustradas pareciam diverti-lo e então ele sorriu. Sorriu como o bom
caçador que era, vendo sua presa ali: indefesa e vulnerável.
E
eu, agarrando-me a última centelha sensatez, murmurei: “Tão manipulador...”.
Porque eu sabia, sempre soube. Que ele não era de todo bom, de todo puro. Havia
muita dissimulação ali, muita lábia, muita malicia. E como qualquer menino
mimado, o desejo de conquistar o que não poderia ter.
Mas
o amor, queridos, é isso. Ceder. E quando ele disse: “Permita-se acreditar que
eu sou só um humano” com olhos queimando por razões insondáveis, eu apenas
puder ser sincera. Depois de tudo, eu ainda disse: “Eu acredito, sou a única
que sempre acreditará. E isso só fará com que você faça-me de boba”.