Um senhor, de costas envergadas pelo peso dos anos,
caminhava sobre os trilhos do trem. Caminhava e caminhava sentindo embaixo dos pés
ora a aspereza de pedras miúdas ora a gélida presença do metal enferrujado. O
peso de mil memórias guardadas através de décadas afim envergava suas costas
doloridas, tornando o simples respirar torturante. Pobre senhor, repleto de
vazios, fadado a não esquecer. Maldita é a memória que deixa aquilo que é doce
e feliz voar para céus desconhecidos enquanto prende as angustias em nossas
costas. Mesmo assim, o velho continuava a caminhar, executando a tarefa
hercúlea de dar o próximo passo.
Não sei em
que parte do caminho, mas quando suas forças sucumbiram a tamanho desgaste ele
começou a chorar. Pobre velho, se sentia Atlas a sustentar com as mãos nuas o
peso do céu, mas ao contrário do antigo titã ele não trazia consigo apenas o
firmamento. Ele levava nas costas seu céu, suas asas, seus pássaros... Levava
sonhos queimados e fragmentos de dores passados... Levava seus amigos todos;
com a vidas e memórias de cada um. E foi chorando estrada a fora. Suas lágrimas
eram recebidas com indiferença pela terra fria, infértil. Tão pequenas eram
elas! Os olhos castanhos-esverdeados já não choravam a décadas, pois ele nunca
se permitiu chorar, nem cair. Não me admira que as lágrimas rasgassem seus
olhos, tornando-se rubras de sangue enquanto caiam gota a gota.
Oh, se não
fosse esse asqueroso silêncio no caminho... Se pelo menos houvesse música ou o
calor de vozes humanas! O toque de mãos que se comprimem, o toque de almas que
se abraçam. Mas não há, a estrada é lugar frio, silencioso e solitário. Nem
lugar a estrada é, é apenas a companhia daqueles que não tem mais ninguém
E as
lágrimas continuaram a cair. A terra já as recebi com carinho, pois agora as
lágrimas eram grandes e gordas, com as chuvas de verão. Acredito que daqui à
alguns meses há de nascer algo nesta terra. Um árvore, um rosa ou punhado
vulgar de capim. Uma coisa é certa, há de nascer algo. A natureza é assim,
selvagem, incontrolável, mas dê-lhe algo e ela o devolverá a você no tempo
certo. Assim, não a culpo por nos pedir de voltar quando nossos anos se
esgotam.
O velho
continua a tecer o seu caminho, molhando a terra e remoendo dores.
- F.A.R.S.
- F.A.R.S.