quarta-feira, 18 de junho de 2014

Sobre Trilhos de Trem

         Um senhor, de costas envergadas pelo peso dos anos, caminhava sobre os trilhos do trem. Caminhava e caminhava sentindo embaixo dos pés ora a aspereza de pedras miúdas ora a gélida presença do metal enferrujado. O peso de mil memórias guardadas através de décadas afim envergava suas costas doloridas, tornando o simples respirar torturante. Pobre senhor, repleto de vazios, fadado a não esquecer. Maldita é a memória que deixa aquilo que é doce e feliz voar para céus desconhecidos enquanto prende as angustias em nossas costas. Mesmo assim, o velho continuava a caminhar, executando a tarefa hercúlea de dar o próximo passo.

            Não sei em que parte do caminho, mas quando suas forças sucumbiram a tamanho desgaste ele começou a chorar. Pobre velho, se sentia Atlas a sustentar com as mãos nuas o peso do céu, mas ao contrário do antigo titã ele não trazia consigo apenas o firmamento. Ele levava nas costas seu céu, suas asas, seus pássaros... Levava sonhos queimados e fragmentos de dores passados... Levava seus amigos todos; com a vidas e memórias de cada um. E foi chorando estrada a fora. Suas lágrimas eram recebidas com indiferença pela terra fria, infértil. Tão pequenas eram elas! Os olhos castanhos-esverdeados já não choravam a décadas, pois ele nunca se permitiu chorar, nem cair. Não me admira que as lágrimas rasgassem seus olhos, tornando-se rubras de sangue enquanto caiam gota a gota.

            Oh, se não fosse esse asqueroso silêncio no caminho... Se pelo menos houvesse música ou o calor de vozes humanas! O toque de mãos que se comprimem, o toque de almas que se abraçam. Mas não há, a estrada é lugar frio, silencioso e solitário. Nem lugar a estrada é, é apenas a companhia daqueles que não tem mais ninguém

            E as lágrimas continuaram a cair. A terra já as recebi com carinho, pois agora as lágrimas eram grandes e gordas, com as chuvas de verão. Acredito que daqui à alguns meses há de nascer algo nesta terra. Um árvore, um rosa ou punhado vulgar de capim. Uma coisa é certa, há de nascer algo. A natureza é assim, selvagem, incontrolável, mas dê-lhe algo e ela o devolverá a você no tempo certo. Assim, não a culpo por nos pedir de voltar quando nossos anos se esgotam.

            O velho continua a tecer o seu caminho, molhando a terra e remoendo dores. 

  - F.A.R.S.