De um lado do espelho, uma escova de madrepérola desliza sobre cabelos ondulados e castanhos. Desce do topo dos fios até as pontas e depois repete o mesmíssimo movimento, como que por encanto.
Do outro lado do espelho, olhos arvorais acompanhavam apáticos o movimento da escova. De tanta preguiça, migram seu foco para a mão que empunha a escova e observam a tensão dos dedos, a vermelhidão que se alastra pela palma.
Vinte e sete, vinte e oito, vinte e nove... É preciso escovar cem vezes, já diziam as boas e elegantes damas da sociedade. "É preciso ter cabelos diariamente cem vezes penteados", assim como é preciso ter dentes bonitos, assim como é preciso casar bem.
Só não é preciso ter essas olheiras. Ou essa pele já sem vigor. Principalmente, não é preciso ter esses olhos arvorais que seguem apáticos o movimento da escova.
Não é preciso sofrer por um amor indecente e incoerente. Não é preciso ser fria e amarga. Não é preciso ser além.
Além de uma mulher magra, branca e bela. Além de um ser que sorri e é simpático. Além de ter, é claro, cabelos cem vezes penteados.