sábado, 18 de outubro de 2014

Embriagar-se

Trôpega, arrasto-me até o balcão da cozinha. Minhas mãos sedentas buscam em vão alento em uma garrafa vazia. Lamúrias arrastam-se pela minha garganta seca e vomito-as junto com doses de conhaque barato. Em um instante lúcido, chego a perceber a cena deprimente em que encontro-me. Vejo com clareza indesejável o estado caótico dos meus cachos castanhos sujos e minhas olheiras fundas de insônia. Entre os acessos de vômito, sorriu de escárnio para mim mesma ou melhor, para o frangalho triste do que sobrou de mim. Em um ataque improvável de vaidade, ajeito a barra rendada do meu vestido preto, ela está suja e rasgada; um triste fim para uma vestido antes tão charmoso. Sou como este velho vestido, sou um tecido surrado onde adivinha-se os contornos de uma elegância já perdida. E na marcha imparável de um Tempo exorbitante, um dia evoluirei deste resquício de veste a um trapo imundo e descorado. No fim, eu que já fui vestido de festa adornado de caras rendas e joias, não serei mais que um farrapo usado para fins banais e inglórios, tais como limpar janelas ou latrinas."